Despertart

O Silêncio que Habita as Palavras

No ventre mudo da linguagem crua,
há um eco antigo que não se pronuncia.
É lá que mora o silêncio, esse segredo
que sussurra mais do que grita,
que sente mais do que diz.

Cada palavra é uma casa,
com janelas abertas e portas fechadas.
Dentro, repousa um silêncio desperto,
vigilante, oculto, misterioso —
como o ar entre o sim e o não.

Antes do verbo, houve um nada
um pulsar tímido no escuro.
E mesmo agora, entre letras,
há vazios que não se leem —
um abismo que se cala enquanto fala.

Há silêncios que gritam no fundo da alma,
e outros que acariciam como brisa.
Há os que ferem, frios, cortantes,
e os que curam com ternura de mãe.
Silêncios que envolvem gestos,
e silêncios que encerram guerras.

Na carta jamais enviada,

no bilhete rasgado ao meio,
no olhar que desvia o rosto,
na palavra suspensa na garganta —
lá vive o silêncio com seus pés descalços.

Palavras não são apenas sons ou tinta,
são mapas de ausências e presenças.
Cada vírgula é um suspiro contido,
cada ponto final, um adeus que não coube
em gestos, em lágrimas, em despedidas.

Quem lê com o coração atento,
ouve o que não foi dito,
acolhe o que escapa entre linhas,
e entende que o essencial
nem sempre é pronunciado.

Na poesia, o silêncio é rei,
ocupa tronos entre metáforas,
bebe da fonte dos não-ditos,
e reina com sabedoria invisível.

Há silêncio no “eu te amo” contido,
e no “tanto faz” carregado de dor.
Há silêncio nas perguntas não feitas,
nos nomes não mencionados,
nas saudades camufladas em sorrisos.

A voz cala, o corpo grita.
E ainda assim, o silêncio permanece,
paciente, fiel ao que não se mostra.
Ele observa, aprende e espera,
pois sabe que há tempos de calar
mais urgentes que o de dizer.

Não há palavra que valha mais
que o silêncio que a precede.
Pois o que dá peso ao verbo
é o vazio que o molda,
a pausa que o antecede,
a sombra que o revela.

Na conversa mais ruidosa,
o silêncio está entre os dois.
Na oração murmurada,
é ele quem sobe aos céus.
Na despedida, é ele quem fica,
ecoando onde antes havia presença.

O silêncio habita as palavras
como a noite habita o tempo,
como o vento habita a árvore,
como a ausência habita a memória.

E talvez, no fim de tudo,
quando o som se desfaça em pó,
e a língua adormeça no esquecimento,
o que reste em nós, intacto,
seja esse silêncio primeiro,
esse silêncio último —
o que habita e transcende
as palavras do mundo.

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