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Memórias que nunca aconteceram

Memórias que Nunca Aconteceram

Há lembranças que chegam
sem terem vivido.
São como névoas doces
de um tempo que não foi,
mas insiste em ser.

São rostos que reconhecemos sem nome,
lugares que juramos já ter pisado,
embora os pés nunca tenham tocado aquele chão.

Memórias que nunca aconteceram
moram no fundo da alma,
como ecos de outras vidas,
como sonhos que se recusam a morrer.

Às vezes vêm em forma de cheiro —
o perfume de uma tarde que nunca existiu,
mas que acalma.
Ou em forma de voz —
um sussurro que nunca ouvimos,
mas que toca algo antigo,
intocável,
nosso.

São páginas de um livro que não lemos,
mas que sabemos de cor.
São canções que nascem prontas na mente,
sem que ninguém as tenha ensinado.

Talvez venham de outra vida,
ou de um futuro tão profundo
que o presente o pressente como passado.
Talvez sejam invenções da alma cansada,
ou bênçãos secretas de um tempo além do tempo.

O que importa é que elas estão aqui —
memórias sem data,
sem registro,
mas reais como o silêncio após o choro.

Talvez sejam as vidas que não vivemos,
os amores que não ousamos,
as palavras que calamos
e que, mesmo assim, nos escreveram por dentro.

Quem nunca sentiu saudade
de algo que não viveu?
Quem nunca chorou
por uma perda que não teve nome?

Às vezes, a alma fabrica memórias
para sobreviver.
Outras vezes, as recebe —
de onde, não se sabe.
Do universo?
Do divino?
De si mesma?

Há quem diga que são visões,
fragmentos de um plano maior,
cacos de eternidade
que caíram por engano na terra.

Outros chamam de delírio.
Mas mesmo o delírio,
quando toca a alma,
tem sua verdade.

Memórias que nunca aconteceram
são semente e raiz,
são ausência e presença,
são histórias que habitam
o que não sabemos explicar.

Elas ensinam que nem tudo precisa ter sido
para ser sentido.
Que o real não está só no que foi,
mas também no que poderia ter sido —
e ainda vibra em alguma camada do ser.

Talvez sejam mapas secretos
para lugares que só o espírito conhece.
Talvez sejam promessas
de um reencontro que não lembramos ter perdido.

E assim seguimos:
com lembranças que não têm começo,
mas têm lar.
E esse lar é dentro.

No fim,
as memórias que nunca aconteceram
são orações sem palavras,
são vestígios de um amor primordial,
são pedaços de um céu esquecido
que o coração insiste em lembrar.

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