Do abismo nasce a Flor

Do Abismo Nasce a Flor
Do mais profundo abismo,
onde a luz se esqueceu de entrar,
onde o silêncio pesa mais que o medo,
ali —
justamente ali —
nasce a flor.
Não por acaso.
Não por milagre.
Mas porque até a escuridão
carrega o germe da luz.
Ela brota entre pedras frias,
entre os escombros daquilo que fomos,
entre as rachaduras da alma
que ninguém mais quis olhar.
A flor nasce do que resta,
não do que é perfeito.
Do que caiu,
do que sangrou,
do que quebrou
e não foi varrido.
Nasce da dor aceita,
não escondida.
Do pranto derramado,
não contido.
Do tempo que parecia perdido
e, ainda assim, gerava vida em segredo.
Do abismo nasce a flor
porque o fundo é solo fértil
para quem aprendeu a cair.
Lá não há máscaras,
nem orgulho —
apenas o que somos
quando já não podemos fugir.
E nesse chão escuro,
há sementes que só ali germinam.
Flores que só ali entendem
o valor da luz que virá.
Quem já caiu sabe:
há uma beleza na queda
quando ela se torna impulso.
Há uma força que só nasce
quando tudo parece fim.
É no silêncio do abismo
que a alma escuta o que nunca ouviu.
É na solidão que cresce
a raiz do reencontro.
E quando a flor rompe a terra —
mesmo trêmula, mesmo só —
ela carrega nas pétalas
a memória do escuro.
Mas também o gesto
de quem escolheu florir,
mesmo assim.
Porque florir é escolha.
É ato de coragem.
É dizer: “Eu existo,
apesar de tudo.”
“Eu sou vida,
mesmo tendo conhecido a morte por dentro.”
A flor que nasce do abismo
não é delicada:
é forte.
Não é frágil:
é sábia.
Ela conhece os dois mundos —
a noite e o dia,
o medo e a esperança.
E é por isso que ela ensina.
Ela mostra que tudo pode florescer
se houver tempo,
acolhimento
e um pouco de sol.
Mostra que até as quedas
são parte do caminho.
E que o fundo não é o fim,
mas o começo
de algo novo, verdadeiro, possível.
Talvez a mais bela flor
não nasça no campo aberto,
mas no coração que foi partido
e escolheu amar de novo.
No corpo cansado
que ainda dança.
Na alma ferida
que ainda canta.
Porque a flor do abismo
não esquece de onde veio.
Mas olha para cima,
com olhos de quem sobreviveu,
e sussurra:
“Eu cresci onde diziam que nada podia crescer.”
E quem a vê, aprende:
o escuro não é um castigo.
É o útero da transformação.
Do abismo nasce a flor.
E com ela,
nasce também o renascer
de quem se permitiu florescer.